sexta-feira, 26 de outubro de 2012

Os rankings em questão

No “Top 20 do ensino secundário”, correspondente a 2012, aparece o subtítulo no Expresso “Públicas fora das vinte primeiras”, a secundária Infanta D. Maria em Coimbra, volta a ser a primeira pública a aparecer no ranking. Está em 21.º No ano passado ocupava a 15.º posição, o que, só por si, revela a visão dominante de quem apoia a seriação das escolas e a sua publicitação. Uma leitura subliminar ou conotativa indica-nos imediatamente que “o ensino privado é que é bom”, que “as escolas públicas não têm qualidade mínima”, que os cidadãos que não tiverem dinheiro para colocar os filhos num colégio privado, podem ficar já a saber que não verão os seus filhos ou educandos atingir os objetivos que para eles desejam. Esta visão pode parecer redutora mas é dominante na comunicação social e nos meios urbanos e revela a tendência das instituições escolares para a elitização. Até se fala hoje em “pedagogia do exame”, tornando-o o centro do sistema em vez de mero instrumento de aferição da consecução dos objetivos traçados. “A escola coloca os alunos numa situação análoga aos dançarinos do filme Os cavalos também se abatem premiando os que estiverem na pista mais tempo” (Philippe Perrenoud). Uma análise mais pormenorizada desta seriação indica-nos que, das vinte escolas situadas no top, apenas cinco não pertencem às áreas urbanas de Lisboa ou Porto e, mais ainda, nenhuma pertence aos distritos de Trás-os-Montes, Beiras, Alentejo, Algarve ou Regiões Autónomas. Mas há sempre a possibilidade de vários olhares sobre os rankings e de várias críticas, como a possibilidade de distinguir entre alunos internos e alunos externos (ou propostos a exame) ou de escolher as melhores notas de alunos que se apresentaram a exame nas duas fases. O essencial, todavia, da crítica a fazer às seriações tem a ver com a descontextualização das escolas, isto é, fazer médias sem sabermos de que estamos a falar. A eficácia, isto é, o resultado em si mesmo, independentemente das condições de partida e de outras, passa a ser o valor que importa destacar. Se os alunos são de um meio socialmente desprotegido, se têm famílias iliteratas, se não têm ou nunca tiveram livros em casa, se têm de trabalhar antes ou depois dos horários escolares, etc., não importa, isso é completamente escamoteado na seriação; se os alunos com problemas de aprendizagem não são aceites na instituição ou são convidados a sair; se os alunos problemáticos são convidados a anular a matrícula e a candidatarem-se aos exames como externos, etc., isso não importa. A escola integradora, capaz de absorver as diferenças, de desenvolver e formar seres humanos e cidadãos com espírito crítico morre aqui, em nome da tal eficácia que trabalha para o ranking. Mas há mais ainda, nesta empresa-escola: que dizer de um piloto de uma transportadora aérea que só consegue colocar no destino 80% dos passageiros? Onde está o parâmetro constitucional de consecução dos objetivos essenciais da educação ou do direito a ela? Como colocar nos primeiros lugares uma escola que afasta em vez de integrar e que só conseguiu posicionar nas primeiras posições 80% dos alunos? A seriação das escolas, criando discrepâncias sem sentido, estigmatizando os mais pobres e com menos recursos, é uma escola sem sentido cívico. A maioria da população, habituada às classificações futebolísticas, desconhece as incongruências destas listas. Como vivemos numa terra cheia de desigualdades e num território cada vez mais desequilibrado, os rankings refletem um testemunho das desigualdades da nossa terra, do nosso país, onde o interior está fora do topo. E quando mais de meio milhão de crianças pobres frequentam o ensino público e dependem do estado para terem livros, material escolar e uma refeição diariamente estamos a discutir rankings? Lembremos que vários países que tinham divulgado rankings das escolas, deixaram de o fazer, entre os quais, vale a pena citar a Dinamarca, a Austrália e, no Reino Unido, a Escócia. O abandono dessa prática leva-nos a relativizar a seriação de escolas, a que tanta importância se tem dado no nosso país.

Sem comentários:

Enviar um comentário